Idadismo e lugar de fala

O lugar de fala, como representação de uma posição social, cultural, política e mesmo econômica, nem sempre significa ter sido assumido por quem se manifesta sobre determinado assunto. Por vezes, como me aconteceu recentemente, o lugar de fala é atribuído pelo ouvinte, ou ouvintes. Duas recentes situações fazem pensar sobre essa questão.

Na primeira, em uma reunião sobre a publicação do volume dois do livro “Metamorfose da Vida”, que trata, de forma muito ampla, sobre inúmeros aspectos relacionados ao envelhecimento, um dos presentes resume a questão ao afirmar que “o público-alvo do livro são os idosos” (com certeza não teve a oportunidade de ler o livro e verificar que duas das autoras são jovens de 20 e poucos anos).

A segunda, foi quando, explicando para um amigo o que é o idadismo e o Movimento Sociedade Sem Idadismo, ele se manifestou dizendo que havia achado algumas coisas pertinentes e outras não. Devo lembrar que é um adulto no dito auge da maturidade (menos de 50 anos).

Ambas as experiências – e sem generalizar, claro, mas já imaginando que o fenômeno seja bastante comum – mostram que pessoas idosas falando sobre idadismo só podem se dirigir a um público formado por pessoas idosas e, por outro lado, ouvintes não pessoas idosas não se identificam com o “discurso”, por não se sentirem no “lugar de fala”.

Há um terceiro elemento a ser considerado e que, confirmado, deve ser aperfeiçoado: não são os ouvintes, mas o discurso efetivamente assume um lugar de fala e não atinge as camadas etárias que realmente são o alvo do movimento. Quando falamos em combate ao idadismo, falamos em quem pratica o idadismo. E quem pratica o idadismo? Majoritariamente pessoas que em geral já ultrapassaram os 30 anos – e que praticam o idadismo tanto contra pessoas idosas quanto com os mais jovens (afinal, precisam se distanciar destes até para inserção e crescimento no mercado de trabalho) – e ainda não ultrapassaram a linha imaginária dos 60 anos.

Combater o idadismo significa ter que eliminar o lugar de fala, tanto por parte de quem “discursa” – por ser, eventualmente, pessoa idosa ou jovem – quanto por parte de quem ouve, por justamente não ser pessoa idosa ou jovem.

A juventude (não pensando nos aspectos meramente físicos) e o envelhecimento são e ainda serão um estigma por longo tempo em nossa sociedade.

Combater o idadismo é também combater o lugar de fala como propriedade apenas de jovens e de pessoas idosas. Significa dizer: não há lugar de fala quando tratamos de idadismo.

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