Eis que tenho encontrado a senhora Morte com alguma frequência ultimamente. Ela tem visitado amigos próximos, familiares deles, conhecidos distantes e até figuras ilustres que eu admirava, jovens demais para morrer ou velhos que, a princípio, já viveram o suficiente. Muito embora, não haja muita lógica em suas visitas, sequestros ou condução coecirtiva… Quando decide levar as pessoas ela leva, sem dó nem piedade.
Há certos períodos de vida em que o acaso nos leva a encontrar pessoas na mesma condição que estamos vivenciando. Quando eu estava grávida observava muitas outras mulheres grávidas, parece que havia um imã me levando a encontrá-las com maior frequência do que se encontram grávidas em nosso caminho. Agora no envelhecimento tenho participado de cerimônias fúnebres muito mais frequentemente do que desejaria, meus pares estão se indo, nesta faixa etária muito mais por doenças grave do que pelo processo de envelhecimento. .
Por falar em gravidez, vamos significar o oposto de morte, que muitos acreditam ser vida, mas o inverso de morte é nascimento, no intervalo entre nascimento e morte encontramos a vida, que poderá ser longa ou curta, breve ou intensa, mas sempre será a vida. Por isto que todos nós pedimos para não morrer em vida, ou seja, que nossa vida seja vivida de forma vívida, nesta passagem de tempo em contraposição entre o nascimento e a morte.
E quando estamos com mais idade, nos apropriamos do morrer de forma saudável, observando e acompanhando os que foram levados por ela, nos levando a uma reflexão bem mais profunda: “Como será minha morte?” “Será com sofrimento, ou uma morte abençoada quando estiver dormindo?” “Estarei pronta para esse momento?” Diante de tudo que aprendi e vivi, seria um desperdício não deixar um legado de meu conhecimento e experiências registrado em algum lugar.
Mas a morte não leva só pessoas, animais e vegetais, ela leva ao longo de nossa vida sonhos, projetos, relacionamentos, status e outras idades. Desde o nascimento estamos perdendo; inicialmente o aconchego do útero materno, depois o ser atendido nas necessidades básicas, (carinho, alimento, aconchego e higiene), na infância perdemos a condição de ser tratados como únicos que somos ao interagir com demais crianças e suas singularidades, na juventude sofremos a perda do corpo infantil e modificações na voz, o que nos leva ao sentimento de luto e perda do que estávamos acostumados a viver até então..
Em síntese, ao crescermos vai morrendo em nós a primeira infância, a segunda infância, a juventude. Quando uma mulher engravida e tem seu primeiro filho, morre nela e no parceiro a condição de ser somente filho e um casal, há uma ambivalência de sentimentos entre o processo de amadurecimento, isto é, uma pessoa capaz de cuidar de outra ao invés de ser cuidada.
E assim, sucessivamente no ciclo vital vamos perdendo denominações: filho, estudante, profissional, até chegarmos a fatídica fase de ser aposentado, ou velho, com a perda da última identidade que nos definia, e essa por ser uma das últimas perdas, ou pequenas mortes, com um corpo já não tão saudável, se agiganta, tornando-se um peso muito mais grandioso que qualquer outra etapa do desenvolvimento humano, por isto um luto mais significativo.
Mas voltemos à senhora morte implacável e impiedosa como ela só, que apesar de toda a tecnologia e avanços científicos somente ela sabe a hora que irá nos levar, assim como no Filme Blade Ranner, em que os replicantes estão programados para viver um determinado período e que apesar de suas estratégias por viverem mais tempos e driblar os caçadores de androides, ela virá de forma inexorável cumprir seu mandato.
Hoje podemos cogitar uma morte assistida ou ortotanásia não realizando procedimentos para prolongar a vida, atitude considerada nos cuidados paliativos, onde a escolha do paciente e familiar é soberana. Já a eutanásia (antecipar a morte) permitida em alguns países como a Bélgica, Canadá, Holanda e Suíça é uma situação mais radical, onde a pessoa sabendo de uma doença incurável opta por abreviar sua vida, o que por preceitos religiosos e leis na maioria de países é proibida.
Por isto o título da crônica: “Hora de Morrer?!?” Quando o replicante Roy, interpretado magistralmente por Rutger Hauer , segurando uma pomba branca em suas mãos declara que suas lágrimas se perderão na chuva, assim como todos os momentos vividos… E finalmente decide: “Hora de Morrer!”
Fica aqui a provocação psicológica; qual emoção a morte te suscita?