Elenara Stein Leitão é arquiteta e mestre em Engenharia da Produção. E ariana, é bom que se diga.
Autora de textos em coletâneas (“Metamorfose da Vida I e II”, “Enchente – Uma coletânea em prosa e verso” e “Perdi Tudo. E agora?”) sobre os problemas enfrentados pelas pessoas idosas na enchente de maio de 2024 em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul.
Nessa entrevista ela relata experiências, sentimentos e como vê o futuro em um país que envelhece rapidamente, mas onde ainda viceja uma cultura de preconceito e discriminação contra pessoas idosas.
P: O que te fez entrar para o Movimento Sociedade Sem Idadismo?
Foi no momento vivido aqui no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, com as enchentes de maio de 2024, que sentimos a necessidade de registrar tudo o que vivemos. Especialmente com o que vimos e sentimos sobre os idosos e a enchente.
Gestamos um pequeno livro, onde um dos autores, o Afonso, ao se dar conta que era um idoso que não sabia nada de idosos, sentiu de forma pungente o drama de entrar na realidade de quem tudo perdeu.
Partindo daí se debruçou mais sobre o assunto e teve a ideia de unir essas inquietações em um movimento.
Um grupo de união que movimentasse esse lodo de preconceitos sobre idade que acabam por nos rotular, como se mudássemos em essência por ter X ou Y idade.
Dessa proposta inicial fomos unindo forças, palavras e vontades. Sentimos uma necessidade forte na sociedade de conscientizar que estamos vivendo em novas eras. Que não apenas as mudanças tecnológicas nos assomam, mas especialmente as mudanças de escolhas e vivências que nos fazem alvo de atenção. Somos potenciais alvos de interesses milionários que já baixaram a economia prateada para 45+. Essa foi minha motivação inicial de entrar de forma engajada no MSI.
Dessa proposta inicial fomos unindo forças, palavras e vontades. Sentimos uma necessidade forte na sociedade de conscientizar que estamos vivendo em novas eras. Que não apenas as mudanças tecnológicas nos assomam, mas especialmente as mudanças de escolhas e vivências que nos fazem alvo de atenção. Somos potenciais alvos de interesses milionários que já baixaram a economia prateada para 45+. Essa foi minha motivação inicial de entrar de forma engajada no MSI.
P: Na tua opinião, quais são os principais estereótipos associados às pessoas idosas?
Fragilidade, vulnerabilidade e fora de utilidade produtiva. Lembro de uma amiga, professora, que trabalhava com grupos de idosos desde o século passado. Ela sempre reclamava dos coordenadores que infantilizavam as práticas usadas com as pessoas idosas. Sendo que muitos deles também eram pessoas mais velhas e não se tratavam como crianças. Muitos locais forçam a aposentadoria de funcionários mais velhos porque estabelecem limites ou, por uma prática perversa, porque estes ganham bem mais. E os trocam por novatos, com menos experiência, que ganham menos. Essa troca sempre existiu nas sociedades, mas havia uma convivência mais esticada, onde os mais experientes podiam ensinar os mais jovens. Hoje me parece que há um foco imediato no lucro e na contenção de despesas, o que acaba prejudicando a eficiência dos serviços.
P: Já presenciou ou vivenciou situações de idadismo? Pode compartilhar alguma experiência?
Pessoalmente acho que foi quando começaram os comentários tipo: “mas como está bem conservada” Lembro que eu brincava e dizia que dormia em formol. Mas era na verdade uma resposta irônica para uma pergunta eivada de “mas tu não aparenta a idade que tem”. Hoje, jovens de 30 a 40 anos já me relataram o mesmo desconforto quando escutam o “como tu está bem”, que tem o mesmo significado de julgamento de aparência em relação à idade.
P: Com relação aos projetos de moradias comunitárias, ou condomínios para pessoas idosas, pode-se dizer que isso “é coisa somente para ricos”, ou existem alternativas “populares”?
As propostas de residencial sênior com maiores comodidades alcançam uma classe de poder aquisitivo bem mais privilegiada. Existem alternativas populares que contemplam a população atendida por programas sociais públicos. Mas ainda atingem uma parcela ínfima da população. Trato disso no segundo volume do livro Metamorfose. Há também experiências de pessoas se organizando tanto em cooperativas, como particularmente, para construir condomínios para moradia compartilhada. Embora eu seja bem simpática à ideia de morar com amigos em uma fase de vida mais idosa, ainda acho que o ideal seria uma convivência intergeracional. Em um documentário sobre as zonas azuis (onde vivem comunidades de centenários), há dois exemplos interessantes. Um no Japão, onde pessoas idosas, crianças e jovens desamparados vivem em comunidades e trocam ajuda. E nas Filipinas existe um exemplo de prédios onde pessoas idosas podem morar perto de suas famílias, em andares próximos de verdes e hortas. E em outro andar contam com praças de alimentação e trânsito da população. O governo subsidia para que as famílias morem junto ou perto dos idosos, porque com isso gastam menos em saúde e hospitalizações. Gosto desse modelo de integração e não de isolamento como os que vemos em geral.
P: Como profissional liberal, já sofreste alguma dificuldade com relação ao trabalho por conta do idadismo?
Fiz vestibular e passei para a Arquitetura com 16 anos. Era considerada muito jovem na época. Me formei aos 25 e me recordo de sofrer mais preconceito em obras em função de ser mulher do que propriamente pela idade. A primeira vez que me deparei com um tu está velha para isso, mesmo que veladamente, foi ao fazer o mestrado. Tinha uns 35 anos e me achava no auge da vitalidade física e profissional. E escutar aquele comentário da banca examinadora me fez tremer de indignação. Me lembro que respondi que tinha preferido ganhar experiência no mundo real antes de voltar à academia. Mas nunca esqueci. Como profissional notei apenas uma vez, de um cliente bem mais jovem. Foi delicado, mas senti que achou que eu não o compreendia como um colega mais jovem poderia fazer.
P: Como a mídia e a publicidade contribuem para a perpetuação do idadismo?
Não sou da área publicitária portanto a minha resposta vem da percepção como consumidora. Ao salientar papeis usualmente vistos como de pessoas idosas e/ou mais jovens nas propagandas. Ao segmentar gerações por décadas e as rotular como sendo alvo deste ou daquele produto. Agora está em voga a chamada economia prateada. Com o aumento da expectativa de vida da população e com um segmento com melhor poder aquisitivo, o mercado publicitário achou novo filão que pode render bastante. Infelizmente os apelos à juventude eterna e ao hedonismo puro acabam prevalecendo nas mensagens. Confesso que não tenho prestado atenção às propagandas de tv e internet para tecer comentários sobre se estão se esforçando para mudar velhos chavões sobre as pessoas de idade.
P: Quais políticas públicas poderiam ser implementadas para combater o idadismo?
Há um projeto em tramitação no congresso para dar incentivos para a contratação de pessoas acima de 60 anos que acabam sendo discriminadas no mercado. Sabendo da desigualdade social que ainda viceja no país, é importante que se incentive o trabalho dessa forma. Como já foi feito com os mais jovens. E fiscalizar para que as leis sejam cumpridas é também papel do poder público.
P: Como podemos educar as gerações mais jovens sobre o respeito e a valorização dos idosos?
Convivendo com os mais velhos. Favorecendo encontros em que se fale, se troque, se aprenda sobre o passado. Mostrar para as crianças que os avós também foram crianças um dia. A convivência é a melhor maneira de aproximação. De preferência que seja ao vivo. Promover um dia sem tecnologia, onde os mais velhos possam ensinar brincadeiras ou contar histórias. Promover um dia do ensino das tecnologias, onde os mais novos ensinem o que sabem do mundo virtual para os mais velhos. Essa troca de saberes mostra que só temos a ganhar com essa vivência compartilhada. Outra maneira é valorizar o trabalho das pessoas idosas. Promover encontros escolares onde elas possam ensinar o que sabem fazer, falar de suas experiências de vida.
P: Quais são os benefícios de uma sociedade que valoriza e inclui as pessoas idosas?
Uma expectativa de vida mais longa. E não apenas mais longa, como mais saudável. Entender que a morte existe, que vamos todos envelhecer, pelo menos os que não morrerem cedo, é um meio de mostrar que a vida é preciosa e deve ser bem vivida. Generosamente vivida. Por mais que se corra, se ganhe dinheiro, se conquiste objetivos, um dia isso tudo fica aqui. E a gente vai. E o que sobra são as lembranças e os exemplos que deixamos. Uma sociedade que entende o real propósito da vida. e veja que não estou falando de crenças, mas de viver a vida em plenitude para poder ser generoso em compartilhar e aprender em conjunto.
P: Que ações individuais podemos tomar para combater o idadismo em nosso dia a dia?
Falar sobre. Assim como a gente se conscientiza de vários outros tipos de preconceitos e vai mudando hábitos e falares, com o idadismo é o mesmo. Nada muda se não dermos um jeito de movimentar. Às vezes um sorriso na rua pode mudar o dia de alguém. E não é pouco. Não infantilizar pessoas idosas. Não menosprezar saberes e vontades jovens e infantis. Falar e escutar. E ganhar uns com os outros. A isso chamo construir pontes.